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domingo, 19 de maio de 2013

Um blogueiro americano mostra como o cérebro trabalha contra nós

NEUROCIÊNCIA -

David McRaney faz sucesso descrevendo situações em que somos induzidos a cometer erros. Deveríamos agir de outra forma, mas não somos espertos o bastante

DANILO VENTICINQUE

No concorrido nicho dos blogs de neurociência, em que centenas de amadores e especialistas disputam a atenção e os cliques de um público escasso e exigente, o americano David McRaney conseguiu uma posição de destaque ao ofender seus leitores logo no título de seu site: “You are not so smart” (Você não é tão esperto). Enquanto outros blogueiros tentam atrair leitores com dicas para quem quer aprimorar o cérebro e se tornar mais criativo, produtivo e inteligente, McRaney, um pessimista, preferiu se concentrar no lado negativo do assunto e explicar por que nossos planos dão errado com tanta frequência e como nos sabotamos para agir com menos criatividade, produtividade e inteligência do que poderíamos. “Há um crescente corpo de trabalho na psicologia e na ciência cognitiva afirmando que você não tem nenhuma noção de por que age da forma que age”, afirma McRaney.
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Mesmo sem as credenciais acadêmicas de outros escritores do ramo (ele se descreve apenas como um “nerd da psicologia”), McRaney se tornou um sucesso, e suas publicações são compartilhadas por dezenas de milhares de leitores. O livro Você não é tão esperto quanto pensa (Leya, R$ 39,90, 256 páginas) reúne 48 de seus textos mais populares. É “um compilado de informações sobre autoilusão e as maravilhosas formas como todos sucumbimos a ela”, afirma McRaney. O livro reúne explicações para comportamentos irracionais em diversos contextos – de dramas do cotidiano a situações extremas.
IRRACIONAL David McRaney encenando uma de suas teses. Quando tentamos controlar o apetite e a preguiça, o cérebro trabalha contra nós (Foto: Mon Musslett)



Muitos exemplos dados por McRaney são experiências de autossabotagem tão frequentes que muitas vezes não reparamos que somos vítimas delas (leia no quadro abaixo). O hábito de fazer e desfazer planos para o futuro é um deles. Quando pensamos no que faremos daqui a uma semana, ou um ano, nos enxergamos como pessoas racionais, que jamais sairiam da linha. No presente, é comum deixarmos tarefas importantes e difíceis para depois, em troca do prazer imediato. O resultado? Enchemos o carrinho do supermercado de verduras para começar a dieta na segunda-feira, mas hoje cedemos aos doces. O mesmo comportamento se repete nos dias seguintes, e as verduras murcham na geladeira, com os planos para levar uma vida mais saudável. Ao contrário do que imaginamos, o “eu” do futuro está sujeito às mesmas tentações que o “eu” do presente – e tem a mesma falta de disciplina para enfrentá-las.
Outra armadilha comum, e uma das mais perigosas, segundo McRaney, é o “viés da confirmação”. Gostamos de acreditar que nossas opiniões são resultado de análises frias, discussões com muitos interlocutores e uma cuidadosa seleção de evidências que comprovam nossas teses. Objetivamente, essa visão não está errada. Mas, em vez de questionar nossas crenças, temos o hábito de dar mais atenção aos fatos que nos fazem acreditar que estamos certos e a ignorar possíveis provas de que estamos errados. Um estudo feito em 2009 pela Universidade Ohio concluiu que as pessoas passavam até 36% mais tempo lendo um texto que reforçava suas opiniões, em oposição a textos que defendiam visões contrárias. Também costumamos conversar mais com quem concorda conosco e respeitar mais suas opiniões. O resultado é que, quanto mais nos dedicamos a um tema, mais nos convencemos de que estamos certos – e mais informações ignoramos a respeito dele. Qualquer um que tenha participado de discussões intermináveis pela internet já passou por uma experiência parecida. E criticou a falta de visão de seu interlocutor – que, provavelmente, fez exatamente a mesma crítica.
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O manual do auto-engano (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
Alguns dos comportamentos listados no livro são menos frequentes, mas mais perigosos. Um deles, chamado “efeito espectador”, descreve nosso comportamento quando vemos alguém que precisa de ajuda. Por mais que acreditemos que ajudaríamos um estranho a se levantar depois de uma queda, ou que ligaríamos para a polícia depois de presenciar um assalto, nossa reação mais comum é participar dessas situações como espectadores, sem interferir. Quanto maior a quantidade de presentes, menor a chance de que alguém se disponha a ajudar. Essa passividade diante do inesperado também explica por que demoramos a agir quando sofremos acidentes e por que a maioria da população é presa fácil de líderes autoritários.
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RESIGNAÇÃO Capa da edição brasileira de Você  não é tão esperto quanto pensa. Para  o autor, somos incapazes de evitar a autossabotagem (Foto: Divulgação)




McRaney não ganhará prêmios por sua originalidade. Quase todas as teses defendidas por ele são inspiradas em pesquisas acadêmicas feitas por outros autores ou em obras lançadas anteriormente. Seu próximo livro, uma continuação de Você não é tão esperto quanto pensa, seguirá o mesmo modelo. Apesar da falta de novidades científicas, ele sobressai por ser uma das poucas vozes pessimistas em meio a uma série de lançamentos de autoajuda que defendem a neurociência como uma solução para todos os problemas dos leitores e prometem libertar o poder secreto do cérebro. “O blog e o livro são parte de uma jornada para me tornar mais vulnerável e humilde”, afirma McRaney. “Não podemos apagar a autossabotagem de nossa vida. Mas, se soubermos que ela existe, podemos levá-la em consideração ao fazer planos e ter uma vida mais saudável.” O poder secreto do cérebro pode até existir, mas nem sempre funciona a nosso favor.

 

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